Do jornal socialista A Justiça (08 de julho de 1925)

Filippo Turati

Era verdadeiramente um homem esse Píer Giorgio, que a morte aos 24 anos arrebatou cruelmente, rápida como um ladrão apressado. O que se lê sobre ele é tão Novo e insólido que enche de reverente admiração mesmo aqueles que não partilham sua fé. Jovem, rico, escolhera para si o trabalho e a bondade. Crente em Deus, professava a sua fé com aberta manifestação de culto, concebendo-a como uma milícia, como uma farda que se veste aos olhos do mundo, sem trocá-la jamais pela roupa habitual, por comodismo, por oportunismo, por respeito humano. Convictamente católico e associado á juventude católica universitária da sua cidade,desconfiava dos modelos simplistas dos céticos, dos vulgares, dos medíocres, participando das cerimônias religiosas, seguindo em cortejo o baldaquim do arcebispo em ocasiões solenes. Quando tudo isso é manisfestação tranqüila e firme do próprio convencimento e não representação ostentosa com outros propósitos, é belo e honroso. Mas como distinguir a confissão da afetação?
Aí está: a vida é o termo de comparação entre palavras e atos extremos que valem muito mais que as palavras. Esse jovem católico era antes de tudo um cristão e traduzia as suas opiniões místicas em obras vivas de bondade humana, em atos constantes de piedade.Pode-se avaliar de modo diferente a eficácia social da caridade, ma não se pode desconhecer o seu mérito, quando ela é exercida com o coração puro e não como um entorpecente ou diversivo ou preventivo,mas como assistência imediata à desventura, sem outra finalidade ou outras intenções que não a expressão de um dever sinceramente sentido e de um amor fraterno.

*Fundador do Partido Socialista Italiano.

Reflexão sobre um dos patronos da Jornada Mundial da Juventude

Bispo Fisher

SYDNEY, segunda-feira, 14 de julho de 2008 (ZENIT.org).- O beato Pier Giorgio Frassati, grande desportista, que viveu na caridade e na generosidade há um século, inspirará a vida desta geração, considera o coordenador da Jornada Mundial da Juventude (JMJ).Foi o que declarou o bispo auxiliar de Sydney, D. Anthony Fisher, no dia 4 de julho, na igreja St. Benedict, por ocasião da festa do beato, na presença de suas relíquias. O cardeal George Pell, arcebispo de Sydney, presidiu a celebração eucarística.

O corpo do beato, um dos dez patronos da Jornada Mundial da Juventude de Sydney, foi trasladado de Turim a Sydney para o evento. As relíquias não haviam deixado a cidade piamontesa desde a morte de Frassati, em 1925.

O corpo, encontrado incorrupto sessenta anos depois de seu sepultamento, será venerado na catedral St. Mary até o dia 22 de julho.

«Pier Giorgio realizou em pouco tempo extraordinários progressos na fé, na esperança e na caridade», afirmou o bispo Fisher.

O prelado recordou que, quando João Paulo II beatificou Frassati em 1990, definiu-o como «um homem de nosso século, o homem moderno, o homem que amou muito».

«As fotografias em nossa igreja mostram um belo e forte jovem com olhos penetrantes e um sorriso contagioso –acrescentou o bispo. Cheio de alegria e energia, cheio de Deus e com a paixão de compartilhá-lo com os demais: frente a isto, sua morte, aos 24 anos, foi uma trágica perda».

«E, contudo, estamos aqui, do outro lado do mundo, celebrando-o, por causa daquilo que ainda hoje nos diz. Agora ele vive há 107 anos».

O bispo Fisher contou também como chegou a conhecer o beato. «Encontrei-o pela primeira vez em quadros de capelanias universitárias da Austrália». «Os jovens sentiam-se atraídos pelo modo como fazia apostolado inclusive indo a cavalo e escalando montanhas, indo a festas e brincando na piscina. As jovens pareciam atraídas por seu aspecto e seu caráter».

«Os jovens católicos gostavam da idéia de poder ser santo também desde jovem e poder unir a paixão por Deus e o serviço aos demais com o desejo normal de diversão de um jovem».

O bispo contou brevemente a história do santo, nascido em 1901, em uma família rica de Turim. O pai era agnóstico, a mãe católica, ainda que «não tivesse a devoção ou a caridade [do filho]», disse o bispo Fisher.

«Não gostava que seus pais não compreendessem sua piedade e tivessem um matrimônio difícil –disse o bispo. Como muitos jovens hoje, tinha de encontrar dentro de si aqueles dons do Espírito Santo que o levariam à maturidade».

«Deu o dinheiro recebido por sua licenciatura aos pobres –acrescentou o bispo Fisher. Quando seus amigos lhe perguntavam por que viajava na terceira classe dos trens, respondia com um sorriso: “Porque não há quarta classe”».

O bispo australiano contou que o Pe. Martin Stanislaus Gillet – futuro guia da Ordem Dominicana – conheceu Frassati quando este era estudante universitário. O dominicano disse que o jovem lhe havia impressionado «com seu encanto especial. Parecia irradiar uma força de atração […]. Tudo nele brilhava de alegria, porque derivava de sua esplêndida natureza o fato de florescer à luz de Deus».

Frassati morreu em 4 de julho de 1925, seis dias depois de ter contraído poliomielite de um dos enfermos por ele assistidos.O bispo auxiliar de Sydney disse que de seu funeral participaram por todas as pessoas mais importantes de Turim, «mas, para sua surpresa, quando saíram da igreja, as ruas estavam cheias não de pessoas da elite, mas dos pobres e dos necessitados a quem ele havia servido em sua breve vida».

«Os pobres ficaram também surpresos ao ver que era de uma família rica –disse o bispo. São eles os que pediram ao arcebispo de Turim que iniciasse seu processo de canonização».

«Agora ele fala a uma nova geração –concluiu o prelado, e honra nossa Jornada Mundial da Juventude com seu patronato e seu testemunho».

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A alegria de viver

Eduardo Henrique Da Silva

“Era um jovem de uma alegria fascinante- disse dele João Paulo II- uma alegria que superava também tantas dificuldades de sua vida, porque o período da juventude é sempre de provação.” ( Aos jovens de Turim 13. 04.1980)
Nascido em 6 de abril de1901, em Turim. Filho de Alfredo Frassati, senador, fundador e proprietário do jornal “La Stampa”, embaixador da Itália na Alemanha, e de Adelaide Ametis, pintora prestigiada, recebeu da família dinheiro, prestígio, comodidade e segurança material, honras e estima. Nunca, nestas coisas, sentiu o canto da alegria, porém nas coisas simples , na amizade, no serviço constante aos pobres, na generosidade em ser útil a todos, no casto sentimento nutrido por Laura, na alegria das excursões e das subidas as montanhas ,no empenho social.
Descobria a alegria exaltante da existência no caminho do empenho em fazer o bem, experimentava a confidente oração na alegria crescente de quem se sente amado por Deus. Amor nutrido todo dia pela Eucaristia, verdadeiro segredo e causa de sua alegria. Amor guiado por uma grande devoção à Nossa Senhora, que freqüentemente, demonstrava na reza do rosário e no ato de levar flores aos santuários de Oropa. Amor que transformava se em caridade para com os pobres, os seus prediletos: os seus “patrões” como gostava de defini –los. Declara uma testemunha: “Ele fazia pelos seus pobres tudo ,desde puxar carretos , caixas, como se fosse um privilégio“. E um outro confirma “considerava os pobres como seus superiores , nos seus sofrimentos honrava a paixão de Cristo e sempre se colocava ,por assim dizer, às suas ordens”. A um amigo confidenciava: “Jesus me visita na Eucaristia todos os dias e eu retribuo do modo mais simples que posso: visitando os pobres… entorno dos pobres, doente… eu vejo uma luz particular, uma luz que nós não temos!
Vinte quatro anos vividos na caridade, quando criança tirou os sapatos e as meias para doá-los a uma mulher que tinha nos braços uma criança sem sapatos , até as vésperas da morte, quando a poliomielite fulminante, que o havia paralisado, não lhe impediu de escrever uma última mensagem de ajuda aos pobres.
Uma vida extraordinária no cotidiano porque tudo nele – a alegria, a ação, o estudo, o apostolado, a oração, o serviço aos pobres – era sustentado pela fé e o amor .
Em 14 de fevereiro de 1925, escreveu a sua irmã Luciana:”Você me pergunta por que sou alegre? A tristeza deveria ser banida da alma dos católicos”.
Em Roma, a 20 de maio de1990 é proclamado beato por João Paulo II, na Praça de São Pedro, diante de uma imensa multidão de jovens. Pier Giorgio nos revela a face amorosa e alegre de Deus.

04/07/2008

* Eduardo Henrique Da Silva é assistente social e coordenador do Núcleo de Ação Comunitária da Faculdade Santa Marcelina

O meu Pier Giorgio

Gustavo Luigi Furfaro

Profética soa a frase que se lê sobre o túmulo de Pier Giorgio: “Por que procurais entre os mortos aquele que está vivo?”
Assim como foi a intuição da mãe, Adelaide Ametis, pintora famosa, que quis circundar o caixão de Pier Giorgio com painéis, pintados por ela, nos quais, como que em um simbólico jardim, pintou um ornato de flores e interpretou-o com os dizeres evangélicos das Bem-aventuranças: ao lado de um grande maço de lírios, escreveu: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”; no painel rico de rosas e flores variadas, escreveu: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus”; no painel decorado com humildes flores, escreveu: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque serão chamados filhos de Deus”.
No breve espaço de 24 anos, soube testemunhar com intensidade de obras e com heroicidade, que a santidade é patrimônio de cada condição, mesmo lá onde as premissas não parecem ser tão favoráveis. Não teve, seja na família, seja na escola, seja na sociedade que freqüentou, aqueles que poderíamos definir como “pedestais” sobre os quais construir a santidade, como encontra-se em tantas biografias de santos. Em uma plena e sofrida correspondência à ação da graça, que forma o tecido potente de sua construção, soube criar sozinho os degraus para subir, traçar sozinho os seus caminhos. Sabia em quais fontes alcançar o material de construção: na casa de Deus a palavra orientadora, o pão que dá a força, a vigilante presença materna: palavra, pão, presença das quais fazia-se portador pelos caminhos do mundo.
Em um contexto comum a tantos jovens de então, assim como de hoje, levou uma vida não muito comum em certos aspectos. Podem variar as circunstâncias e as situações, não mudam muito as dificuldades a serem superadas. Foi intuição e mérito saber orientar o passo, em seu ambiente, para que a vida tivesse um significado. Revela-nos isso em uma carta a um amigo: “Viver sem uma fé, sem um patrimônio para defender, sem sustentar a verdade em uma luta contínua, não é viver, mas ‘ir vivendo’. Nós não podemos nunca ‘ir vivendo’, mas viver!”
Mesmo que fosse somente essa a sua mensagem, já teríamos algo para o qual sermos atraídos pelo exemplo. Como ideal pode ser assumido por todos: por quem tem vinte anos e por quem tem muito mais. Pode ser uma admoestação e um estímulo para o leigo e para o consagrado; por quem tem grandes capacidades e por quem entende valorizar até mesmo um único talento; para quem tende à ação e para quem, todavia na forçada inércia, tem entre as mãos uma enorme potência redentora. Pier Giorgio é de uma surpreendente atualidade: não é um santo “de altar”, é companheiro de caminhada.
Falando dele surpreendemo-nos a usar uma terminologia atual: falamos de família em crise, de escola em agitação, da sociedade em evolução com os ricos demais e os extremamente pobres, de associacionismos que empenham ou então falem, de amizade que eleva ou degrada, de tempo livre que constrói ou destrói. Em sua vida existem todos esses elementos: nele descobrimos as soluções positivas.
É por esse motivo que o sentimos tão próximo, o nosso orar não é tanto uma súplica, mas um diálogo com ele, que ainda nos fala através das numerosas e reveladoras cartas e através dos exemplos, para aprender de sua “sabedoria de Deus”, acolhida e cultivada na união com Cristo palavra e pão, ainda antes que na “ciência de Cristo”; para aprender uma via que se torne testemunho de cada dia e força transformadora da realidade cotidiana.
Foi saldo na fé e operoso no amor. Quanto mais aprofunda-se, não somente o conhecimento de sua vida, mas sobretudo a profundidade dos seus sentimentos, tanto mais se sente a atração desse jovem e, em sua companhia, parece que avançamos mais seguros, mais serenos, mais generosos, como acontecia nos tempos de suas memoráveis excursões e passeios nos campos.
Foi um magnífico “lutador paulino”, um autêntico contestador que sofria as conseqüências na própria pele, porque contestava por amor, nunca por aversão ou por rancor. Combateu para construir, nunca para destruir; lutou para edificar, nunca para abater. E quem contesta e sofre na pele as conseqüências tem algo de heróico, algo daquele heroísmo evangélico que Jesus nos apresenta em sua vida e em sua palavra.
Lutou, contestou, sofreu as conseqüências na família, na sociedade, nas associações, na política, com os amigos, na escola. Simpáticas foram também suas vicissitudes na escola: era o aluno Frassati, não o filho do senador, que era julgado como promovido. A sua trajetória escolar não foi fácil e, talvez, não compreendida: também aqui lutou e sofreu na própria pele se, aos 24 anos, encontrou-se concluindo o Politécnico, não fácil, depois de ter feito 31 exames. Faltavam-lhe ainda dois exames para fazer e também a tese, na qual já estava pensando. O último exame seria em 4 de maio de 1925: tecnologia minerária, o ideal contrastado do seu futuro. Não pode fazê-lo: durante dois meses lutou e sofreu as conseqüências na própria pele também na morte. Paradoxalmente podemos dizer que teve tal destino também nos alternados acontecimentos do processo de beatificação e na própria morte subverteu as leis da dissolução.
E tudo foi sempre com um sorriso nos lábios, mesmo que se por dentro – e as cartas o confirmam em vários pontos – tumultuava a tempestade no mar e de vez em quando brotavam algumas lágrimas. Na própria morte respondeu com o sorriso (após 56 anos!) a quem dele se aproximou. Sobre ele muita coisa foi escrita: são mais de dois mil artigos de jornais e de revistas em todo o mundo sobre ele, aos quais somam-se outras publicações, comemorações… A sua figura conquistou almas de adolescentes e de homens maduros em todas as partes do mundo. À sua vida e ao seu exemplo inspiraram-se jovens que não somente quiseram conhecê-lo, mas que, no empenho de imitá-lo, realizaram também eles um empenho de santidade e agora estão a caminho da glorificação. Pier Giorgio cumpriu o empenho que o Concílio Vaticano II confia aos leigos: “A todos os leigos, portanto, incumbe o plecaro ônus de trabalhar para que o plano divino de salvação atinja sempre mais a todos os homens de todos os tempos e de todos os lugares da terra.” (LG 33).

Pier Giorgio é reconhecível e sereno também na morte

Urna que guarda as relíquias de Pier Giorgio

Giovanni Luciano

Eu vi Pier Giorgio Frassati. Pode parecer um paradoxo, após cinqüenta e cinco anos de sua morte, mas é uma bela e consolante realidade. Naquele chuvoso 31 de março passado – que muitos se recordarão pelo perigoso elevar das águas do Rio Pó a níveis de alerta – fui, com outros membros do Tribunal Eclesiástico pela causa dos santos e os peritos médicos, ao Cemitério de Pollone para proceder ao reconhecimento judicial dos restos mortais do Servo de Deus Pier Giorgio Frassati. Esse ato jurídico põe fim à instrução de todo processo apostólico de beatificação e canonização.
A longa “familiaridade de vida”, que instaura-se com um servo de Deus, durante os longos meses de instrução, na qual a principal preocupação torna-se o falar sobre ele, o investigar a sua vida para aprofundar o conhecimento, para aperfeiçoar as linhas de sua real personalidade, para descobrir todos os lados do caráter, os talentos, as virtudes, torna-o tão próximo, tão familiar, que acaba por criar entre nós um relacionamento de verdadeiro afeto. Ele torna-se para nós uma pessoa querida. Por isso, quando da abertura do caixão apareceu-nos o seu corpo, mais ou menos devastado pelo natural processo de mineralização, mil pensamentos e sentimentos afloraram em nossa mente e em nosso coração. O meu encontro com Pier Giorgio no Cemitério de Pollone superou em intensidade e comoção a todos os outros meus encontros do mesmo gênero.
Aberto o caixão, muito bem conservado e ainda protegido pelo lacre da cidade de Turim gravado na negra cera encontrada intacta, tirado o tampão acolchoado de algodão coberto por um lenço finamente orlado, que cobria a cabeça, o seu rosto apareceu-nos extraordinariamente conservado e reconhecível. Era o Pier Giorgio que tinha-se me tornado familiar durante o decorrer do processo. Tive logo a impressão de sempre tê-lo conhecido, de tê-lo já visto no passado, de ter repartido com ele alguns momentos de minha vida. E a busca das provas testemunhais e documentárias da autenticidade do seu corpo, objeto do reconhecimento e até então perseguida, pareceu-me totalmente supérflua. A prova estava ali, a prova era ele. Após decorrerem tantos anos do falecimento, encontrei-me sempre com corpos sem rosto, cuja cabeça era constituída somente pelo crânio ósseo e, para mim, era fadigoso, com a fantasia e a memória, tentar a reconstrução das feições, apesar de serem já conhecidas por mim através do longo exame da abundante documentação fotográfica.
Pier Giorgio, ao invés, estava ali. Com o rosto um tanto mumificado, mas ainda demonstrando beleza e juventude. Os olhos abertos e quase sorridentes, mesmo na inevitável exsicação dos globos oculares. A boca configurada em um pálido sorriso, que iluminava toda a face com uma composta serenidade. O queixo volitivo, sua característica, poderia até se dizer que tinha acabado de barbear-se, pela suspensão do desenvolvimento nos pêlos da face. Os densos cabelos castanhos ainda compostos e ordenados. Ao redor da cabeça e dos ombros, os restos reconhecíveis de três orquídeas, testemunho de um último gesto de amor. Na gola o seu distintivo, aquele distintivo católico que ostentou sempre e em todos os lugares, nos cortejos, nas procissões, nas fábricas, nas salas universitárias, no Politécnico, sinal de sua imensa fé e de sua coragem cristã. As mãos ainda macias, recoberta de pêlos, com os dedos entrelaçados na habitual atitude de oração, ligados ainda pelos fragmentos do terço feito de grãos escuros, um dos tantos que ele mesmo fez, depois de ter cultivado essas sementes em seu jardim e que, muitas vezes e com prazer, dava de presente aos amigos convidando-os a rezar.
Enquanto contemplava Pier Giorgio o meu olhar de vez em quando dirigia-se à sua irmã Luciana e aos sobrinhos, que rodeavam o caixão: Elena, Wanda, Alfredo, Giovanna, Maria Grazia; Jas Gawronski, o último sobrinho, que ficou em Moscou pelos graves compromissos de trabalho (é jornalista da RAI), estava ausente. E em minha mente impunha-se uma inevitável comparação entre eles e ele. E pensava comigo: “Eis que a irmã menor e os sobrinhos, nascidos depois de sua morte, o superaram enfim, em idade. Daqui uma semana Pier Giorgio cumpriria oitenta anos. Qual seria o seu aspecto? Qual a sua posição social? Qual a sua intensidade de vida religiosa? Quem seria hoje Pier Giorgio Frassati?” Todas perguntas ociosas e sem possível resposta porque, hoje, Pier Giorgio tem ainda vinte e quatro anos! O seu aspecto hoje canta a eterna juventude que o Senhor concedeu-lhe como prêmio por sua virtude e pelos seus sofrimentos.
Não sei mais quem escreveu que cada um de nós “tem a idade de sua própria alma.” A alma santa tem a idade de Deus, que de alguma maneira a absorve em si, de um Deus jovem e sem idade, porque vivente sem fluir de tempo, de um Deus dono da eternidade. Essa eterna juventude Deus doa aos seus santos. Disso tive a certeza contemplando, com afeto, os restos mortais (nesse caso me repugna usar essa palavra) de Pier Giorgio. Ele terá sempre vinte anos, bonito de uma beleza que foi maximamente interior, mas que, ainda hoje, transparece em seu corpo extraordinariamente conservado.
Para ele, mesmo sobre esta terra, a vida continua trâmite aquela fama de santidade que projetou-o na história e aproximou-o às honras dos altares. Quase profética soa a frase que se lê sobre a sua inscrição: “Por que procurais entre os mortos aquele que está vivo?” (Lc 24,5).

“La Voce del Popolo”, 12 de abril de 1981.

O “Santo da estrada” amigo dos pobres

Giulio Loccatelli

Mais que na inquieta atmosfera de sua poesia, a Senhora Luciana Frassati soube encontrar, na aflição de seu espírito, um porto seguro e sereno, revivendo em si própria, e fazendo com que muitos outros revivessem, a recordação daquele seu prediletíssimo irmão Pier Giorgio, primeiramente com a publicação de um notável epistolário e agora com uma obra toda original e inédita, que vem a colocar um áureo sigilo à sua admirável e continuada fadiga de mais de um ano de pesquisa e investigações nos mais diversos ambientes de Turim. Tratava-se de salvar um precioso patrimônio procurando as testemunhas de mais de trinta anos atrás, que tiveram uma certa familiaridade com o jovem aluno do Politécnico e que poderiam depor, como por uma atitude sagrada, sobre a sua multiforme atividade de herói da caridade cristã. Tarefa árdua e certamente mais apropriada a ‘fortes ombros’ que ao empenho de uma mulher, mesmo que de máxima boa vontade, que não fosse a bondosa irmã, paciente e tenaz até o sacrifício, da singela estirpe dos Frassati. Passo após passo, mesmo atrás de tênues vestígios de um nome, ei-la a reconstruir todo um longo itinerário de amor atrás das pegadas daquele irmão: pelas salas universitárias, dentro das lojas, ao longo dos corredores dos hospitais e das internações, nos escritórios dos homens de cultura, nos conventos, nas guaritas dos edifícios, nos gélidos telhados, onde quer que alguém pudesse dizer algo sobre ele no exercício preferido de ajuda aos que sofrem, aos desprezados da sociedade. Que itinerário precioso e qual revelação! Vieram à tona centenas de particulares ignorados e agradabilíssimos, todos autênticos e destinados a serem minuciosamente lidos e meditados, não somente por aqueles que nas Conferências de São Vicente de Paula, onde Pier Giorgio encontrou a sua apaixonada palestra cotidiana, dedicam-se de maneira especial ao exercício da caridade.
Refletindo um pouco mais, parece que a Senhora Luciana imitou o postulador da causa de um Bem-aventurado no recolher tão minuciosa messe de vivas documentações, muitas vezes esquelética, e por isso, eficacíssimas em sua concisão e sinceridade. Alguém disse que o jovem “tinha todos os requisitos para ser um santo: amor a Deus e amor ao próximo.” Um outro adicionou: “A sua virtude pareceu-me sempre heróica. Sabia-se que pertencia a uma das famílias mais abastadas de Turim e vinha até nós unir-se aos pobres, escondendo sempre aquilo que fazia de bem. Para nós Pier Giorgio era um santo.” Mas um santo alegre, animado, de larga visão, amante das escaladas em montanhas, que “fazia o bem pela alegria de fazê-lo” e que mostrava-se habitualmente “preocupado com a miséria e a necessidade dos humildes. De fato, era uma exigência sua sê-lo – assim diz Paolo Gandi –e não uma atitude de sua própria vontade.” Aos seus encontros quase diários com a caridade – era assíduo do Cottolengo, do leprosário, das Pequenas Irmãs – apresentava-se de maneira senhoril e, ao mesmo tempo, desembaraçado, alegre, cortês. Bastava olhar, para ver com que graça materna acariciava as crianças pobres e esfarrapadas, e como, entrando nos casebres da periferia de sua Turim, logo tirasse o chapéu e estendesse amigavelmente a sua mão àqueles que vinham-lhe ao encontro temorosos: aquelas pessoas quase nunca vieram a saber quem fosse aquele distinto senhor que sentava-se no leito dos doentes e tomava nota de todas as necessidades da família.
Há quem se recorde, com comoção, de como ele sabia submeter-se, sem demonstrar o mínimo embaraço, aos mais baixos trabalhos de assistência, até mesmo higiênicos – a epidemia de 1918 multiplicou tais atos exemplares ao infinito – rico de todas as formas de caridade, ao dizer do Frei Giocondo: “da palavra ao gesto que conforta até ao ponto de ajudar-te a descer um degrau, manifestação e forma dificilíssima arriscando, a cada momento, de cair em uma etiqueta superficial.”
De resto, tendo aprendido ainda criança, quando, não tendo outra coisa, tirou os sapatos e as meias para dá-los em esmola, Pier Giorgio obedecia ao difícil mandamento a ser realizado: “em todos os momentos estar ao seviço dos pobres.”
Graciosíssimos episódios referem-se a Pier Giorgio em seu transformar-se, várias vezes, – a propósito tem quem o definiu muito bem – em uma “sucursal de agência de transportes” e carregando-se de pacotes e lenha, como um animal de carga (é a observação de Camilla Rivetti) atravessando, sob aqueles trajes de carregador, as ruas principais, sem olhar a ninguém. Um dia o redator do “Stampa” admirou-se ao vê-lo puxando um carrinho pela rua: fez de conta de nada, mas depois ao reencontrá-lo na redação do jornal de seu pai pediu explicação. “Como? Não viu? – responde sagazmente Pier Giorgio – Aquele pobre velho que não aguentava puxá-lo em meio à gente?”
Esse puxar carinhos, seja para transportar coisas a serem entregues nos dias de visita, seja para ajudar aos pobrezinhos que tivessem que desalojar os utensílios de suas pequenas habitações, é um dos aspectos mais característicos do ânimo piedoso de Frassati contra o respeito humano, em uma sincera independência de caráter, ao ponto de ser chamado por Giovanni Grippa de “o santo da estrada”. Precisava tê-lo visto nos dias próximos ao Natal e à Páscoa: documentam as testemunhas que a sua atividade tornava-se “frenética”: pacotes sobre pacotes, frascos de vinho, peças de vestuário, roupas, Pier Giorgio transformava-se em um armazém ambulante, o contente carregador dos indigentes.
No Natal de 1924, assumiu sozinho a tarefa de socorrer nove famílias. Quem o aconselhava de usar, para as viagens, que na maiorias das vezes eram longas, o automóvel da casa, teve por resposta que seria um humilhar os pobres: andava, portanto, sempre a pé, dando de esmolas o dinheiro que guardava para tomar o bonde.
Seria, agora, um alongar-se demais enumerar as taxas escolares, as contas de gás, as receitas médicas com as suas “entradas”, certamente não tão elevadas, sem contar o enorme acúmulo de correspondências para procurar empregos, para recomendar todos aqueles que a ele recorriam confiantes naquele acolhedor convite. Ele não tinha hesitações para com eles e se, por acaso, percebia que certas pessoas que viviam na miséria não estavam realmente dispostas a procurar um trabalho e ali permanecer, cortava o assunto dizendo que “a caridade é sempre bem feita e sempre pronta a produzir os seus frutos, mesmo que se as pessoas que a recebem ou as que a exercitam não sejam dignas.”

“Il Giornale d’Italia”, 28 de fevereiro de 1952.