Dois homens ardentes de amor por Jesus e pelos necessitados

Domenico Nicodemo

Era a Primavera de 1925 quando Pier Giorgio Frassati, com apenas 24 anos, a dois passos da morte, veio a exclamar: “O dia que for mais velho e puder fazer o que quero, farei como fez Cottolengo. Vou querer ajudar todos os pobres e crianças que vivem na necessidade.”

Pier Giorgio consumiu sua exuberante juventude no amor por Jesus, pelos necessitados e pelas montanhas. Hoje seu nome, que encerra uma das mais límpidas experiências do Evangelho, é um dom que o Espírito concedeu e concede a toda a Igreja.

No fim do mês de julho de 1925, o senador Frassati, ainda abalado pela perda do filho, veio à Pequena Casa. Queria erguer e dedicar um edifício em memória de Pier Giorgio. Ouviu como resposta que no Cottolengo os edifícios se dedicam apenas aos santos. Intervém o cardeal Gamba, arcebispo de Turim: “o beato Cottolengo e Pier Giorgio, dois grandes amigos dos necessitados, dois santos … Ficam bem juntos !”

Os escritores, ao descrever a luminosa experiência de amor de Pier Giorgio, muito oportunamente, evidenciaram o seu exercício de caridade no âmbito da Conferencia de São Vicente, mas deixaram na penumbra seu serviço de voluntariado dentro da Pequena Casa. Parecia estranho a eles que um jovem como Pier Giorgio, para quem humanamente nada faltava, pudesse se interessar por problemas existenciais dos hóspedes do Cottolengo. Uma busca mais aprofundada mostra bem o contrário.

Ernesto Atzori, um seu amigo e companheiro de estudos, relembrando esse serviço de voluntariado depõe: “Sua caridade não se limitava a procurar as ocasiões individuais para exercitar-se, mas de bom grado utilizava o momento e os lugares onde a massa sofria.”

Subir as escadas que levam a um covil, pode custar um esforço ainda de não indiferença, mas no fundo, no caráter privado e limitado do gesto, está contida a explicação do porque este se possa cumprir. Ao contrario, passar de cama em cama, de uma doença para outra, de uma angustia para outra, e isso regularmente, muitas vezes ao mês, em todas as estações, no verão como no inverno, como fazia Pier Giorgio, não é coisa simples. Ele levava ao Cottolengo amigos e amigas, para dividir com os outros a alegria desta descoberta de repartir e amar.

Comentando essas experiências, Pier Giorgio afirmava: “Uma visita ao Cottolengo faria bem a todos os homens”. E acrescentava: “Através do Cottolengo seria fácil para qualquer um compreender bem os valores autênticos da vida, deixando de fora cada abandono inconsciente à existência de todos os dias.”

Mario Ghembera, outro estudante voluntário, lembra que “o destino preferido das saídas de Pier Giorgio era o Cottolengo. Ele passava entre os corredores com zelo vigilante e seguro, consolando, parando de bom grado para conversar com os doentes, como se fossem verdadeiramente irmãos, como os chamava, beijando-os como aos mais caros amigos.”

Rina Reynaud conta um de seus encontros casuais com Pier Giorgio, na rua da Consolata: “Quer vir comigo? Vou ao Cottolengo… Poderia me dar uma mão!”

Rina ficou surpresa quando viu que os hóspedes da Pequena Casa acolhiam Pier Giorgio como a um amigo e quanto conforto tinham com sua presença”. Voltando à suas respectivas casas, Rina descobriu uma dimensão nova sobre esse prestativo e surpreendente jovem que era admirado pela população, particularmente estudantil, de Turim: “ Me parecia um veterano sobrevivente de outro mundo. Sobre seu vulto transfigurado havia aquela intensa luz de espiritualidade que talvez ilumine somente as criaturas mais próximas de Deus“.

Don Bernardo Ponzetto, que algumas vezes acompanhou Pier Giorgio ao Cottolengo, declara “ter ficado mais do que surpreso, admirado, pela alegria com a qual ele se aproximava dos doentes.”

Giovanni Perfece, que foi hóspede do Cottolengo por muitos anos, lembra com admiração Pier Giorgio que aparava e enxugava a baba de um menino invalido, com limitações psíquicas, cego e surdo mudo: ”Era algo excepcional ver um jovenzinho descer ao nível de tamanha miséria, com tanto zelo maternal. Infelizmente – ele acrescentava – tantos episódios de fatos estupendos foram perdidos por nós. Grande parte das irmãs que naquele tempo o conheceram na Pequena Casa já faleceram, sem nunca terem sido interrogadas.”

As experiências de Pier Giorgio como voluntário do Cottolengo são ainda lembradas por Franca Ca’ Zorzi, Francesco Ghezzi, Carlo Geomis, Francesco Foi, mas seria muito longo reproduzir suas exposições. Fecho com o testemunho do cotolenguiano irmão Fillipo Petrino, uma figura patriarcal da Pequena Casa, recentemente desaparecido, com mais de noventa anos, depois de 73 anos de vida religiosa: “ Conheci Pier Giorgio Frassati quando era superior dos irmãos enfermeiros no Cottolengo: devo dizer que observava aquele grande jovenzinho que se distinguia de todos os outros… Serio, reservado em atitudes e palavras, parecia transfigurar-se quando junto aos doentes…Tinha dentro de si o espírito do Senhor”.

“Somos todos instrumentos indignos da Divina Providência”.

Assim se lê nas anotações de Pier Giorgio para um discurso sobre caridade. A experiência cotolenguiana seguramente desenvolveu na alma de Pier Giorgio uma grande confiança na Divina Providencia. Ele se refere a cada circunstancia, cada alegria e cada sofrimento humano, também o mais dilacerante, como um desenho preciso da Divina Providencia. Em seu epistolário de cartas endereçadas a vários amigos, temos pelo menos dez referencias explicitas a esse atributo divino.

Ele, assim como Cottolengo, freqüentemente repetia: “A Providencia proverá! “

Escreve Clemente Grosso, seu coirmão da São Vicente: “ Pier Giorgio acreditava na Providencia com a força de quem se sente concretamente ajudado por um espírito superior”.

Um dia, durante um passeio pela montanha, num momento de descanso, tentou explicar da melhor forma que conseguiu ao universitário Silvio Caligaris, que queria entender a sua conduta de condivisão existencial nos desafios de todos os homens, particularmente dos menos afortunados. “A igualdade não pode vir de nós, mas de Deus, e se alguém considera cada coisa como oferecida e criada pela bondade de Deus, resulta que todos somos iguais: pobres e ricos e que a Providencia de equilíbrio, distribuindo a cada um, age a ponto de igualá-los, de forma que compreendamos felicidade e contrariedade como dadas por Deus…”.

É uma resposta de fé que tomada isoladamente, poderia dizer pouco, mas encarnada na realidade de sua experiência de amor é muito semelhante às “respostas” que o santo Cottolengo dava e dá aos problemas existenciais dos homens.

Nestes últimos anos, particularmente de 1968 em diante, centenas de jovens vêm à Pequena Casa para contestar as escolhas de nossa sociedade, mas mais ainda para experimentar sua disponibilidade concreta ao amor evangélico e, como Pier Giorgio, revigoram-se a si mesmos e na fé com a qual os doentes suportam as dores mais terríveis, redimensionando o egocentrismo inato, descobrem a perene e antiga primavera do amor de Cristo irmão universal.

“O Nosso tempo”, 3 de julho de 1977

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