O pensamento a serviço da vida

Martin Stanislas Gillet

Em 1922 e 1923, encontrando-me em Turim para a festa do centenário de S. Domingos, tive oportunidade de conhecer, durante as funções sagradas que se desenvolviam solenemente, alguns universitários da Terceira Ordem Dominicana.

Todos simpáticos, porém um me impressionou por um seu fascínio especial. Um porte ereto, o olhar límpido, o semblante de quem pode comandar e dominar. De sua pessoa liberava-se uma força de atração cheia de doçura. Chamava-se Pier Giorgio Frassati.

Nascido em Turim, aos 6 de abril de 1901, faleceu em 4 de julho de 1925, em pleno vigor, na véspera de sua formatura como engenheiro. Agora nós o apresentamos aos nossos jovens franceses, para que o reconheçam como um deles, e rendam à sua memória o culto que lhe é devido.

Porque Pier Giorgio fazia manifestadamente parte daquele eleito grupo de jovens que se encontra hoje, um pouco em cada centro universitário, que tem, com a nostalgia do sobrenatural, verdadeiro temperamento de apóstolos.

A religião sempre significa para eles uma doutrina de vida, junto à luz e força, que deve iluminar e fecundar a atividade humana por inteiro. Nada deve sair de seu domínio, e ao contrário, tudo ela pode abranger, expandindo-se. Pier Giorgio teve apenas o tempo de ser um estudante; mas já nele se manifestava o homem que teria sido um dia, não precisamente um intelectual, mas um homem capaz de colocar toda sua vida a serviço de seus ideais, acima de tudo um homem de ação, decidido a colocar todas as suas idéias a serviço da sua vida.

Por ação, esse jovem entendia ação católica; e estendia esse domínio tanto à vida interior quanto às obras exteriores; à vida pessoal como à familiar e social.

Agir era para ele sobretudo viver, portanto, pensar, sentir, amar, prover-se com todas as fontes e todos os  impulsos da natureza e da graça.

O centro da ação estava nele, nas profundezas de sua alma, de coração para coração com o Deus de amor, cuja presença o inebriava. Lá ele encontrava a alegria de viver e aos 24 anos encontrou a força de morrer.

Em toda a vida de estudante, foi um jovem puro; a piedade porém não lhe apagou nunca a chama do olhar, não lhe obscureceu a fronte, não extinguiu o sorriso de seu semblante. Ao contrário, tudo nele brilhava de alegria, porque deixava a sua bela natureza florir ao sol de Deus.

Todos os sentimentos que fazem vibrar o coração, na inspiração cristã, encontravam hospitalidade no seu, em espontaneidade e generosidade sem igual. Amava em primeiro lugar sua família, sofria em ter de deixá-la, exultava ao regressar.

Espalhava alegria. Seu pai encontrava alivio dos afazeres políticos ao compartilhar com suas brincadeiras. Sua mãe, que ele amava ternamente, guardava no coração suas palavras.

Como à sua família, com o mesmo ímpeto amou a pátria. E porque não a teria amado sua alma sensível e delicada que se sentia devedora de tudo? Não havia ela dado à Igreja e ao mundo o maior pensador, Tomás de Aquino; o maior poeta, Dante e na plêiade de artistas, o mais espiritual e popular pintor, fra Angélico? Não se confundia talvez a história do mundo civil com a história de seu país, e por duas vezes, antes e depois de Jesus Cristo, não tinha sido e não era talvez ainda Roma sua capital?

Pier Giorgio considerava a pátria como o prolongamento da família e a Igreja como a expansão da pátria, no mundo espiritual. Esses afetos não se opunham em seu coração, mas se harmonizavam e ganhavam força reciprocamente.

Amava a mãe de todos: a Igreja. Teria dado a vida de bom grado por ela.

E na Igreja, as almas o atraiam, sobretudo as dos necessitados. Nas páginas que lhe são dedicadas, se lêem particularidades comoventes a respeito de seu relacionamento com os pobres. Aos famintos dava o pouco que tinha; aos privados de afeto dava o coração; aos desgraçados que ignoravam tudo que vem de Deus e viviam na solidão espiritual, dava o exemplo do justo que vive sua fé e os direcionava a Deus para que Ele os saciasse.

Na idade em que as paixões fervem no coração dos jovens e ameaçam romper os freios, Pier Giorgio concentrava no seu todas as forças vivas e as equilibrava.

Dia a dia, diante de Deus e diante dos homens, aprendia a vencer-se e dominar-se. Poderia se dizer que, sem se aperceber, preparava-se para a missão de comandante, se é verdade que para se saber conduzir os outros é necessário antes de tudo saber conduzir a si próprio.

E um dia, um mal inesperado fulminou este jovem, tão sólido, tão equilibrado, tão vivo, e as ascensões espirituais foram interrompidas de um golpe. Não ! Antes, morrendo, ele galgou em um instante a distancia que o separava de Deus: trocou a terra pelo céu.

Os desígnios de Deus são incompreensíveis,porque vê as coisas de muito mais alto e mais longe que nós, no todo e no particular.

Porém, nos é permitido pensar que, chamando Pier Giorgio para Si, no momento em que todos que o conheciam colocavam nele tantas esperanças, Deus tenha querido que sua morte inesperada e repentina colocasse em relevo a beleza excepcional de sua vida, e atraísse a atenção dos jovens que pudessem se inspirar nele.

Pensando assim, Pier Giorgio se tornou seu comandante. Sua ação rompeu as cadeias da morte e sobreviveu a ela. Continua a falar com aqueles que sabem ouvi-lo e os exorta a segui-lo.

Defunctus adhuc loquitor.

Prefacio da edição francesa da biografia de Pier Giorgio Frassati, curada por R. P. Marmoiton, s.j., Toulouse 1932.

* Martin Stanislas Gillet foi Mestre Geral dos Domenicanos de 1929 a 1946. Em seguida elevado a dignidade de Cardeal.

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