Um personagem sem lampejos. O romantismo nos acostumou aos gestos absolutos, à retórica do heroísmo moral e espiritual. O cinza no entanto é a cor de hoje. E o cinza por fim torna-se esplendido, como o cansaço constante de um operário ou, no seu caso, a obra tenaz de sua caridade.
As suas cartas, imprevisíveis. Mais uma vez, para certos versos é inútil colocar na cabeça o absoluto do texto. A desesperada afirmação de católica felicidade: “ Não posso não ser feliz”. É difícil resistir a certas cartas.
E por fim, nos erros resulta um estilo, ainda mais que isso, um tipo de colóquio, uma voz. Sente-se um arrepio porque o contato é direto: pele com pele.
É mais difícil esconder a caridade do que fazê-la.
Os rostos estupefatos de quem não sabia nada e se encontrou diante de seu funeral. Talvez, por um instante, alguém pensou que toda aquela gente foi ali chamada por um sobrenome. E, no entanto, o foi por um nome.
E seu dinheiro? Todo o dinheiro que distribuiu para os pobres e amigos de Turim?
É, segundo o que penso, o grande mistério de sua vida. Como na multiplicação dos pães: centavos em liras. Dezenas e milhares.
Suportar a mediocridade. A pior mediocridade é a de quem não a admite ou não a percebe. Suportar aquela. Para mim, sua vida já está concluída.
Quem o fez fazer? Quem sabe quantos já fizeram essa pergunta. Eu mesmo. Parece uma veia aberta, uma festa. Todavia, eis aqui. Compreendido isso, estamos com um bom caminho andado.
Talvez o tenha feito por todos aqueles com quem conviveu: mãe, pai, irmã, amigos. Uma decisão lógica, talvez, mais sólida que uma vocação.
Como é difícil parecer um dos muitos e ser um dos poucos!
Foi um erro realçar seus gestos, deixando em silencio sua alma.
Não se pensou que a “mãe de Pier Giorgio” tinha naquela época muitas rivais. Entre as quais a “mãe de Mussolini”.
Uma profunda prova de confiança na vida: cantava, mesmo sendo assustadoramente desafinado.
É fácil esquecer um amor verdadeiro; difícil um falso, impossível um errado e solitário.
Compreendia e perdoava sempre. Deus nos ajude a fazer isso uma vez ou duas pelo menos em nossa vida.
Era tão pouco burguês que não se preocupava com a miséria, a sujeira, a crueldade e hipocrisia dos pobres.
O silencio diante do sofrimento e da morte, todos temos em mente, poucos na fala e nas ações. E isso me fez parecer vil a ponto de ressurgir (por aquele preciso instante que dura a ressurreição de um homem normal) diante da história de sua morte.
Estamos na mesma. Também com relação a ele os homens confundiram inocentemente humildade com pobreza de espírito, doçura com demência.
Foi uma agencia de colocação religiosa, com muitos clientes não religiosos.
Por que tantas agendas? Por que tantos números? Por que tantas listas de palavras iguais? Para quem eram as contas que fazia todos os dias?
Eis o diário que instrui os fatos de uma alma.
Foi feliz alguma vez? Esta pergunta angustia fatalmente, no decorrer de sua vida.
Todas as suas energias, todos seus modos de ser estavam tão voltados e dedicados aos outros, que eu penso a sua felicidade como sendo sua existência.
Uma felicidade exaustiva, que previa naturalmente a felicidade da não existência, a morte e Deus.
Apenas uma barreira para mim: a montanha. Eu não a compreendo, como não enxergo à noite. E então surgem também certas interpretações de ascensão, de subir na direção de Deus.
Na direção de Deus se sobe, sabia-o bem, também descendo na mina. Se todas as subidas fossem elevações!
Não tinha medo de nada, nem mesmo do medo.
Falem-me um pouco da morte, mas não assim. Calmos, tranqüilos, como se falassem de flores ou de coisas insignificantes, assim como ele fazia, sem esforço… Então, compreendido agora que é impossível?
Extraído de Luciana Frassati, Vida e imagens, Sigla Effe, Genova 1959.